Manifesto: Uma epidemia abala o mundo – mas os rios ainda correm para o mar (e agora levam máscaras)

Os movimentos e organizações formais e informais que assinam este AVISO POR CAUSA DA SAÚDE DO PLANETA, unidos na determinação de contribuir para uma nova atitude para com os nossos rios, chamam com este Manifesto a atenção das autoridades, da sociedade civil, dos diversos agentes económicos, sociais e culturais, e dos cidadãos e das cidadãs, para a enorme importância que a saúde dos rios e das bacias hidrográficas tem no equilíbrio da Terra e, portanto, na saúde das sociedades humanas.

 

Com a surpreendente pandemia que rapidamente se espalhou à escala de um mundo globalizado e interdependente, tornou-se evidente o que alguns já vinham anunciando há décadas:  a saúde é uma só, e num planeta doente não pode haver humanidade saudável. Uma sociedade só é saudável quando são saudáveis o ar, a água, os solos, as plantas, cultivadas ou espontâneas, e os animais, domesticados ou livres. É tempo para que todos aprendamos a respeitar os rios, a admirar mais os rios livres que os rios «acorrentados», a ver como intolerável qualquer tipo de poluição, ainda que a pretexto de uma (má) economia ou de um (mau) desenvolvimento.

A partir de duas fontes convergentes de inspiração [1], de recomendações e urgências, convidam-se as autoridades, a sociedade civil e cada pessoa a:

  • Tomar como inspiração a prova evidente, dada pelo confinamento decretado para proteger a saúde humana, de que a causa da poluição generalizada do ambiente – e em particular dos rios e massas de água – está na (má) economia e no (mau) desenvolvimento, e que o regresso à atividade das populações deve ser feito de acordo com uma economia diferente, sob pena de repor e mesmo agravar a «doença planetária»;
     
  • Decidir que a retoma da economia deverá ser ou tornar-se modelar, demonstrando que é possível pôr em prática um outro modelo social e económico assente na sustentabilidade, no respeito pela natureza, na regeneração e na perenidade ambiental e socioeconómica;
     
  • Reconhecer que sem ecossistemas saudáveis não pode haver humanidade saudável, sendo que o meio aquático, o mais ameaçado de todos, se encontra na base da saúde planetária; cuidar deles, regenerá-los, preservá-los, é uma exigência de responsabilidade perante as gerações futuras;
     
  • Procurar novos modelos respeitadores da biodiversidade ligada aos rios e zonas húmidas ao nível da produção agrícola, com menor consumo de água e capazes de evitar a erosão; do planeamento urbano, promovendo uma urbanização fora dos terrenos inundáveis; da produção de eletricidade, combatendo a degradação dos ecossistemas aquáticos causada pela produção hidroelétrica, e em geral que diminuam a extração de água e aumentem a sua reutilização;
     
  • Impulsionar a celebração da Década das Nações Unidas para a Regeneração dos Ecossistemas 2021-2030 por decisão da Assembleia Geral da ONU;
     
  • Colocar a água no centro das opções e práticas económicas e do emprego uma vez que, segundo a Organização Mundial de Saúde, 3 em cada 4 empregos dependem da água;
     
  • Reforçar a atenção aos nossos rios, ribeiros e outras linhas de água, bem como massas de água paradas ou temporárias, como lagoas, albufeiras e charcos;
     
  • Propor a criação de um corpo de profissionais a tempo inteiro, com formação adequada para exercer funções de vigilância, informação e fiscalização eficazes em defesa das linhas e massas de água, ou destacar e formar para esse fim parte dos efetivos de vigilantes da natureza, desde que adequadamente reforçado;
     
  • Valorizar e respeitar os nossos últimos rios ou trechos de rios livres, incentivando e colaborando com programas de recuperação e privilegiando abordagens de engenharia natural. Equacionar, nos casos em que barragens existentes atinjam o seu tempo de vida útil, a renaturalização ribeirinha em vez da reconstrução de infraestruturas;
     
  • Rejeitar as práticas de destruição ou mutilação de galerias ribeirinhas onde se refugia quase sempre uma vegetação abundante e diversa de grande valor natural, parte de um ecossistema rico em biodiversidade;
     
  • Tendo em conta que muitos dos ecossistemas ribeirinhos estão hoje invadidos por espécies exóticas de proliferação rápida e nefasta (invasoras), incentivar a recuperação das espécies autóctones, dentro e fora de água, bem como da sua envolvente;
     
  • Acompanhar atentamente e promover a boa gestão das concessões de pesca em trechos de rios, por forma a evitar a sobre-exploração e outras práticas nefastas;
     
  • Incentivar as entidades responsáveis à abertura e renaturalização dos trechos de rios entubados, dentro da medida do possível, a curto, médio ou longo prazo, consoante cada situação, inscrevendo tal objetivo nas políticas de ordenamento do território e nos instrumentos de gestão territorial;
     
  • Ter consciência que muitos dos problemas de erosão costeira, sentidos no litoral, se devem a opções erradas nos rios e ribeiras;
     
  • Incentivar uma nova atitude humana de presença nos territórios, a que uma bacia hidrográfica confere uma certa unidade e identidade específicas, a partir de uma economia local assente nos valores ecológicos e na qualidade de vida, no cuidado posto na conservação e não na destruição da natureza;
     
  • Sensibilizar os vários públicos e a comunidade em geral, através da ação das diferentes pessoas e entidades, para as questões atrás referidas, sempre que viável com a colaboração das escolas e dos educadores, e propondo uma atenção crítica aos conteúdos e programas escolares com incidência na ética e na educação ambiental aplicadas aos valores naturais desses territórios e à forma como são utilizados;
     
  • Reforçar a democracia da água, aprofundando a articulação e o envolvimento de pessoas e organizações da sociedade civil, numa efetiva participação em processos de gestão integrada de bacias hidrográficas.

    Em suma, queremos evidenciar a importância de prosseguir a criação de uma Nova Cultura da Água, ao longo das linhas de reflexão e ação precedentes.


    Os subscritores,

Sara
Andrade

Estudou Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

 

O seu percurso profissional tem sido pautado por uma forte vertente multidisciplinar, tendo tido a oportunidade de desenvolver vários projetos em áreas como a educação, voluntariado, formação e intervenção sócio-cultural. Tem colaborado com várias organizações no âmbito da participação juvenil, cidadania democrática, sensibilização e educação para os Direitos Humanos, educação intercultural, empregabilidade, voluntariado e desenvolvimento pessoal. Atualmente é trabalhadora freelancer na área da juventude, dando formação e coordenando projetos sobretudo com jovens, educadores e youth workers.

 

Integra a Rede Inducar desde 2015 e tornou-se sócia no final de 2016. Atualmente desempenha o cargo de Vice-Presidente do Conselho de Administração.

 

Faz também parte da Bolsa de Formadores/as do Conselho Nacional de Juventude (desde 2013) onde facilita processos de auscultação a jovens e organizações de juventude, do programa Erasmus+ Juventude em Ação (desde 2013) onde desenvolve formações sobre voluntariado e aprendizagem intercultural, do Programa Somos onde promove ações de Educação para os Direitos Humanos(desde 2016) e da Plataforma das ONGD’s (desde 2016).

 

sara.andrade@inducar.pt 


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